domingo, abril 15

Os poetas... eles são

DESENREDO

Por toda a terra que passo
me espanta tudo o que vejo
A morte tece seu fio
de vida feita ao avesso
O olhar que prende anda solto
o olhar que solta anda preso
Mas quando chego eu me enredo
nas tramas do seu desejo

O mundo todo marcado
a ferro, fogo e desprezo
A vida é o fio do tempo
a morte é o fim do novelo
O olhar que assusta anda morto
o olhar que avisa anda aceso
Mas quando chego eu me perco
Nas tranças do teu segredo

Ê Minas, ê Minas
é hora de partir
e eu vou me embora pra bem longe

A cera da vela queimando
o homem fazendo seu preço
A morte que a vida anda armando
a vida que a morte anda tendo
O olhar mais fraco anda afoito
o olhar mais forte indefeso
Mas quando eu chego eu me enrosco
nas cordas do teu cabelo

Ê Minas, ê Minas
é hora de partir
e eu vou me embora pra bem longe

(Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro)

Um poeta é feito de quê?

Devo confessar que, até esta noite, habitava em mim um receio de deixar por aqui as minhas impressão e imprecisões das coisas do mundo. Mas depois de ouvir melodias de Dori Caymmi e as palavras de Paulo César Pinheiro, devo confessar que agora, pouco importa do que me chamem, tenho certeza; poesia é mais que simples brincar com palavras, pontuar frases, unir versos e deixar se permitir desejos e impressões. Poetas? São poucos. Aliás, o que será um poeta?

Pra esse canto novo não é preciso
Novos instrumentos descobrir.
Passado o dia de juízo
De novo o atabaque vai bulir.
Viola fará seu improviso.
Bambu vai aos dois se reunir.
é a volta do som do Paraíso
Pro mundo de paz que vai surgir.
(Do poema "O velho canto novo" - PCP)

sábado, abril 14

Quem me apresentou Minguante foi um amigo, o Veríssimo, mano velho, lincado ai ao lado. Vocês vão encontrar textos dele em todas as edições da publicação. Deliciem. Eu, pela primeira vez, enviei algumas palavras. O tema desta edição foi a ausência, essa coisa que carrega em suas costas o abandono, o maior medo do ser humano, o de ser abandonado. Em nossa formação, ninguém nos ensina a perder entes queridos ou lidar com a falta deles. Mas lidar com as ausências é preciso, e libertador.
Boa leitura!

o fim (em port.)

Era madrugada, o frio cortava a pele, as horas já eram adiantadas, mas ela, ela ainda estava lá ao lado, egoísta como sempre, exigindo atenção exclusiva. O dia tinha sido daqueles, completavam-se anos da morte de sua mãe e ele nunca tinha estado tão perto de descobrir tal segredo também.
Levantou, pensou certos desconfortos médicos, necessários, pegou um cigarro, colocou-o na boca, olhou para o céu de estrelas brilhantes, apesar de tudo, e deu uma enorme tragada. Só então percebeu que o fumo estava apagado, não tinha fogo, não fumava. Então, num gesto calmo, se acostou na cama e começou a ouvir música, sons, melodias, veredictos, ofensas, juras de amor, sorrisos, gargalhadas de escárnio e som ainda mudo da noite.
Naquela noite, mais uma vez, ele não dormiu. E nem fez falta, pois agora tinha a certeza das incertezas do amanhã.

Colhi em outro blog

Finis

É rapidinho. Assim, deixa eu te contar:
Primeiro uns dias sem respostas para a pessoa se tocar. Como a pessoa não quer se tocar nem fudendo, ela acaba te ligando. Daí você atende e diz que a ama, que está com muita saudade, que assim que rolar a grana se pica pra cama dela, e que o coração vai junto, aos trancos (a parte do coração é apenas o desejo dela, você só disse que chega na cidade onde ela, por hora, está).
Depois, caso ela consiga ser ainda mais insistente (é, as mesuras do amor quando não estamos apaixonados resultam em saco cheio, boca torta ou tédio), você diz logo:'Aí, gata, acabou. Dei uma nadadinha nos meus ocasos, experimentei o trapézio para fazer jus ao meu maior amor, olhei bem sua foto e desisti. Pensei: isso não vai prestar. E peço que me ligue no celular para eu partir seu coração . '
A tipa, horrivelmente repetitiva:'E ao menos vou aí dizer tchauzinho, meu sangue?'
O esperto:'Ah, talvez, quem sabe um dia que não se marque nem aconteça, amiga. Sinta-se à vontade.' (enquanto pensa: hahahahah)
Ela:'Ah, tá. E... bem, então vou agonizar ali no mictório do poeta um instantezinho e depois faço um aborto. Nada significativo. Vai ser como tirar o pirulito da boca da ninfeta. Só isso. E... Você tá com Aids, né ?'
O homem maduro, um verdadeiro cientista:'Quaquaraquaquá, não! Mas tenho a enfermidade que te falei.'
A chata:'A enfermidade?'
Ele:'É, isso é sério. Pode ser isso. Mas na verdade é porque eu quero deslizar, entendeu? Des-li-zar!!! Eu só ando de patins, honey! Minha coragem entupiu a pia, agora é morta. A intensidade eu perdi no armário de uma vadia. Linda! mas ficou por lá.'
A irritante: (mas agora, você, leitor, não a julgue, porque era o mais sincera que podia):'Me dá uma boa noite?'
(o coração envelhece)
é porque eu achei que ia ver deus, esperei por isso anos a fio. O papai noel já era parte do caminho, não acha? E daí o porre do vulgar enrabou minhas delícias. Um estupro e meio, um desses crimes que a justiça cega passou e não viu.'
Ele:'Ahahahahhhaaaa, como você é engraçada, estúpida! Ah, não foi um fora, eu só quero que saia daqui. Vê se some, minha pérola (ele não chamaria aquela ali de pérola, já tinha esquecido os olhos dela e estava preocupado com outras questões, quais sejam, o custo da picanha ou da chã), até eu descansar. Mas apareça, a gente se fala, juro. Gosto de você, sou seu amigo, o problema é comigo (e todas aquelas coisas, obrigada, mas minhas questões estão em outro tipo de, digamos, sensibilidade).
Nada disso importa, na verdade. O legal é que foi rapidinho, tipo assim, arrancar um olho, sem dificuldade, depois de cortar o que prende a órbita ao lado de dentro. Maestria!! Ah, não pense que somos uns monstros ...

segunda-feira, abril 2

Não há amores esquecidos.
Há emoções que sangram caladas.
Não há amores recusados.
Há versos afônicos.
Não há dias de sol.
O que há?
É o que reina nos desvãos do rasgo do peito e me persegue na escuridão gruindo com um gato negro que sorri da falsidade alheia.
Na noite
De muitas varandas
O cão derruba um jarro.
Os latidos lá fora entram sem pedir licença
Abro a janela. Brilha na mãos o medo
De velas pandas.

O coldre e a bíblia na gaveta aberta.
O medo tem cinco balas.