domingo, outubro 12



"Tinha resolvido seguir as estrelas. Há muito evitava desvios fortuitos para seguir

o seu norte. Rumo ao que ia?, não se sabia. O que importa é que, independente

dos dias, sua sombra sumia em direção aos pés da imensa montanha fria, de

verde intenso e mistérios noturnos".

R.D.S



Sua vida era andar pelo mundo. Por aqui... acolá. Trombando, empurrando pedras e flores, desgostos e amores. Era o seu modo de enfrentar dores. Parava aqui, tomava um. Logo ali, mais uma boca, mais um olhar. Era mais um corpo todo. E mais um pedaço-estilhaço que fica na calçada — mas era bem paga.

Em outros tempos, a voz de Holanda, ainda menina, fazia logo de manhãzinha ecoar pelo quarto um bom-dia. Cheiro de café e pães quentes, de um salto da cama já se ia para o banheiro, cuidar dos longos cabelos negros da noite e do rosto meigo repletos de lampejos. E assim as manhãs se abriam em sonhos despejados sobre as carteiras de madeira velhas da escolinha do lugarejo, a única. Aquilo era o mundo para aquele corpo petit, mais osso que carne, mais sonhos que pedra, um ser humano como outro qualquer, uma formação de carne e osso, que aprisionava um universo de lírico e que a resguardava dos dias claros demais.

Assim sempre foi. Irmã de José — filhos sabe-se lá de quem — o mais velho e responsável pelos afazeres domésticos e pelo sustento. Tinha o Zé como uma figura mítica que reunia no corpo de homem feito a atenção de uma mãe e o modo austero de um pai. E era assim; chegava, beijava Holanda, pães no armário, cheiro da carne no fogo, o sorriso companheiro e a noite se abria para as vicissitudes da existência.

Era madrugada, o frio cortava a pele, as horas adiantadas, e Holanda num sobressalto, pés no chão, passo apressado, um vulto pela janela, e a certeza tão indesejada das gentes. Aquilo que até então era apenas dos outros agora era de Holanda. A morte. A manhã encerrou aquela noite com um sol desses de queimar a pele e arder os olhos. Naquele dia, muitos diziam sentir saindo da terra um vapor quente de cheiro eucaliptado. "É uma coisa agridoce!".

Para Holanda, daquele dia, apenas o que era desatino e falta ficou.

Com os anos que aos poucos vinham, ela redescobriu coisas como um amanhecer de sol ameno, sem praia, com comidas simples, sem cheiros verdes, sem o Zé e com lembranças dos sonhos de sorrisos-brilhos como os dos tempos do orfanato.

Passou a achar bem sair nas noites e andar sem rumo. Era o desejo de debelar os dias que a levava perambular por vielas estreitas. Aos poucos, entregou-se às incertezas das esquinas. Era apenas uma forma de levar ou velar a vida. Com chicotadas domou os dias. Tudo se tornou tão normal. Viver era simples.

Naquela manhã, acordou, pegou o cigarro, colocou-o na boca, andou a passos lentos rumo à janela, olhou o céu tingido de azul — apesar de tudo — e deu uma enorme tragada. Só então, percebeu que o fumo estava apagado, não tinha fogo, ainda não fumava. Num gesto sereno, se encostou na cama e começou a ouvir músicas, sons, veredictos, ofensas, juras de amor, urros de prazer forçado, sorrisos, gargalhadas de escárnio e o som mudo da noite anterior. Os olhos choveram.

Naquele dia, Holanda, mais uma vez, não dormiu. E nem fez falta, pois agora tinha a certeza das incertezas do amanhã.


Restavam apenas carne e sonhos.

terça-feira, outubro 7

me dei à música e não quero me encontrar mais.


aqui jazz. entre as primas e os bordões.